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28, April 2020
Como a quarentena está afetando a economia?
Realizamos um estudo especial para você, nosso leitor, sobre o impacto da quarentena na economia. Especialmente para a nossa cidade de Ribeirão Preto, estimamos quais são os possíveis impactos socioeconômicos sobre a renda das pessoas mais vulneráveis, já considerando as ajudas do seguro-desemprego e do auxílio emergencial do Governo Federal. Boa leitura!

 

Impactos econômicos da quarentena no Mundo

Em setembro de 2019, antes portanto de reporte oficial de casos da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia alertado que o mundo não estaria preparado para enfrentar um patógeno respiratório virulento. Em suas palavras: 

“A pandemia global de influenza de 1918 adoeceu um terço da população mundial e matou em torno de 50 milhões de pessoas – 2,8% da população total. Se um contágio semelhante ocorresse hoje com uma população quatro vezes maior e tempos de viagem em qualquer lugar do mundo com menos de 36 horas, de 50 a 80 milhões de pessoas poderiam perecer. Além dos níveis trágicos de mortalidade, uma pandemia poderia causar pânico, desestabilizar a segurança nacional e impactar seriamente a economia e o comércio.”

Com a declaração de pandemia por parte da OMS, diferentes resultados foram observados. Enquanto alguns países abstiveram-se, outros decretaram confinamentos mais ou menos rigorosos. Iniciada por China e Itália, a redução drástica de contato social foi seguida por Espanha, França e Alemanha. Entre outras medidas, fronteiras entre países foram fechadas, viagens canceladas e deslocamentos proibidos. Diante da fragilidade global, governos começaram a se organizar a fim de instaurar medidas sanitárias e econômicas visando reduzir as consequências da crise sobre a população.

Em razão do grande impacto do vírus sobre a sociedade, podemos esperar impactos econômicos por três canais distintos: 

    1. redução da força de trabalho decorrente das taxas de morbidade e de mortalidade;
    2. redução acentuada da atividade econômica decorrente de medidas de isolamento social;
    3. aumento do endividamento dos governos devido às medidas fiscais adotadas.

Em comunicado realizado no dia 14 de abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiu que a recessão global será pior do que a prevista anteriormente, apresentando uma projeção de retração de 3% em 2020. Para a maior economia do mundo, os Estados Unidos, o órgão internacional prevê que haverá uma recessão ainda mais grave, com uma queda de 5,9%. Ainda que o mesmo aponte recuperação para o ano de 2021, caso a pandemia seja controlada, os números ainda apresentam uma forte preocupação internacional.

Dado o quadro atual, em Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é defendido que todas as áreas de políticas públicas serão afetadas pela crise atual, ainda que, em alguns casos, isso não seja observado no presente, e far-se-á iminente num futuro próximo. O documento ainda aponta que além da adoção de medidas eficazes, é imprescindível que haja uma coordenação governamental efetiva.

Impactos econômicos da quarentena no Brasil

No momento de escrita deste estudo, o avanço do coronavírus se dá de maneira acelerada, tendo 71.886 casos confirmados e 5.017 óbitos. A taxa de letalidade de 7% apresenta uma grande preocupação quando comparada a taxa de 5,7% observada nos Estados Unidos, país com maior quantidade de óbitos (cabe notar que os EUA são o país que mais testa no mundo, logo, por conta disso, sua taxa pode ser menor). Porém, não sabemos se o número de casos contabilizados no Brasil reflete a realidade de contaminação da população. Ou seja, pode haver uma diferença no número de indivíduos testados para o contágio de COVID-19, o que pode alterar significativamente o percentual de letalidade do vírus no país. Seguindo a análise com base nos dados oficiais, destaca-se ainda que mais da metade dos casos são provenientes da região sudeste (57,1%), 20,1% são da região nordeste e as demais regiões brasileiras apresentam menos de 10% cada. Vale também ressaltar que o estado de São Paulo apresenta o maior número de casos (mais de 38% das confirmações). A taxa de óbitos do estado também apresenta-se acima da letalidade média para o país, fato que pode indicar a dificuldade do sistema de saúde em lidar com um alto número de pacientes ou também pode ser devido ao fato de o Estado possuir um número maior de pessoas na faixa de maior vulnerabilidade (ex. pessoas acima dos 60 anos).

Em um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Urbano (NEDUR) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foram estimadas as consequências de dois possíveis cenários para a economia brasileira. O Cenário 1 considera os impactos da doença sobre o mercado de trabalho, tanto pelas taxas de morbidade e de mortalidade quanto pela retração econômica em função do isolamento. Enquanto isso, o Cenário 2 leva em consideração também o impacto de medidas fiscais realizadas pelo Governo a fim de suavizar o choque negativo. Como já é esperado, os resultados apresentados mostram uma redução do PIB brasileiro em relação a projeção apresentada pelo Banco Central antes da doença. 

O gráfico a seguir mostra o efeito da simulação realizada para os dois cenários propostos:

Previsão de crescimento do PIB (%) no Cenário 1 e 2 e do Banco Central (antes da COVID-19) em 2020

Fonte: PORSSE; SOUZA; CARVALHO; VALE, 2020, p. 12

 

Quarentena: qual é a situação de Ribeirão Preto?

Nossa cidade é um grande centro econômico no interior do Estado de São Paulo. Recentemente, foi criada a Região Metropolitana de Ribeirão Preto, que engloba 34 municípios da região. A região é destaque sobretudo no agronegócio. O município recebeu em 2004 o título de capital brasileira do agronegócio. Destaca-se também em vários outros setores como comércio, serviços, ensino e pesquisa.

Sendo o sétimo município mais populoso do Estado, cerca de 703 mil habitantes. O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é considerado “muito alto” (0,800) e está acima da média nacional. Em termos de geração de renda, Ribeirão está na 21ª posição em Produto Interno Bruto (PIB).  

O relatório que segue é composto por um breve levantamento de dados socioeconômicos do município e servirá como base para identificar os setores e as personas mais afetadas pela crise. As bases de dados utilizadas foram: Censo 2010 (IBGE) e a Relação Anual de Informações Sociais 2018 (RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego). 

O objetivo é traçar um panorama do município diante da nova crise. Como veremos, apesar ser uma cidade considerada rica, o grande motor de empregos ainda é o comércio e os serviços, setores amplamente afetados pela quarentena. Se por um lado os vínculos trabalhistas protegem de alguma forma os trabalhadores demitidos via seguro desemprego, o que podemos dizer dos trabalhadores do setor informal? Esse relatório visa responder essa e outras questões.

 

Mercado formal

Foi feito um levantamento de dados do mercado de trabalho ribeirão-pretano, a partir da última Relação Anual de Informações Sociais – RAIS disponível (2018). O banco de dados é composto por funcionários cadastrados pelas empresas do município, sendo assim, os dados refletem as condições do mercado formal.

Ribeirão Preto tem uma população empregada jovem, de em média 35 anos. Entretanto, como é possível notar, grande parte está abaixo desta faixa etária. Dentre estes 54,8% são homens, sendo as mulheres 45,2%.

Em termos étnicos, o mercado formal em Ribeirão Preto é composto em maioria por brancos (62,6%). Pretos, pardos e indígenas representam 27%.

Quanto à escolaridade, 59% são profissionais com apenas o ensino médio completo. Profissionais com o ensino superior completo representam apenas 19%. A principal hipótese que levantamos é que profissionais menos qualificados provavelmente serão os mais afetados pelas medidas de isolamento social. Isto se deve, entre outros motivos, ao fato de que trabalham em posições menos informatizadas, em que não é possível o teletrabalho. É esperado também que este grupo da população, que representa uma mão de obra menos qualificada, pode enfrentar uma maior dificuldade na reposição do emprego.

O gráfico a seguir apresenta a distribuição desses trabalhadores nos diversos setores do município. 70% deles trabalham no comércio e serviços. Com o fechamento dos estabelecimentos determinado pelo governo do estado e do município, como medidas de conter o avanço da doença, estes possivelmente serão os setores mais atingidos.

De fato, como são muito poucas as empresas no Brasil com capital de giro suficiente para fazer face às despesas, existe grande risco de acontecerem demissões em massa nas próximas semanas, caso não haja uma previsibilidade sobre a duração da quarentena. Por isso, são de extrema importância as medidas de suavização do choque tomadas pelo governo. Precisamos manter ao máximo os vínculos empregatícios, caso contrário a recuperação será ainda mais lenta. 

Para os casos em que o acesso ao crédito não é possível há outras medidas, como o programa de renda básica emergencial. Entretanto, para muitas famílias talvez isso não seja suficiente.

O gráfico a seguir, apresenta a distribuição de salários do município por decil, isto é, a cada 10%. A interpretação deste gráfico é feita da seguinte forma: o primeiro decil (10) contempla os 10% mais pobres e representa  o teto salarial dessa faixa. O último decil (90) representa 90% da população, e mostra portanto que os 10% mais ricos ganham a partir daquele valor.

Como podemos ver, 50% dos empregados em Ribeirão Preto ganham até R$ 1800. Os 10% mais pobres do município ganham R$ 1200 mensais. Se essas últimas pessoas forem chefes de família numerosas, a renda per capita da família pode ser bem menor do que 1 salário mínimo, o que torna a família extremamente vulnerável.

De fato, se considerarmos apenas os trabalhadores do comércio e serviços, o diagnóstico é muito pior, visto que a mediana salarial dos setores gira em torno de R$ 1800 mensais. Desse modo, a grande maioria dos trabalhadores formais mais afetados pela crise está entre os 50% mais pobres do município.

Apesar de essas pessoas estarem cobertas pelo seguro desemprego, traçamos alguns cenários para os diferentes setores do município. Como boa parte do comércio e setor de serviços está fechada, esses empresários já devem estar sentindo os efeitos da crise em suas receitas. A saída viável, apesar de existirem medidas de suspensão de contratos e financiamento de folha de pagamento (propostas pelo governo federal), pode significar a demissão de boa parte do quadro de funcionários.

Para os trabalhadores com carteira assinada e, consequentemente, cobertos pelo seguro-desemprego, a perda de renda, considerando todas as faixas do auxílio, é de, em média, R$795. Fizemos também algumas simulações, traçando os cenários em que 100%, 75%, 50% e 25% das pessoas perdem o emprego. A ideia é calcular a perda total de renda e o montante necessário para complementar, mensalmente, a renda dessas pessoas. A tabela abaixo traz os resultados.

Proporção de funcionários demitidos no setor de Comércio e ServiçosPerda total de renda mensal  (R$)
25%40.958.503,00
50%82.250.452,00
75%123.328.811,00
100%164.272.067,00

Ou seja, para repor todos os salários perdidos com a crise no cenário mais otimista, precisaríamos de um programa de auxílio da ordem de R$ 40 milhões mensais. Entretanto, o exercício é válido para mostrar o impacto de perda de renda para os trabalhadores do setor.

Espacialmente, fizemos uma análise com dados do Censo de 2010. Fizemos uma média de renda familiar per capita por cada bairro do município e localizamos as regiões menos favorecidas. Os dados apresentados foram corrigidos pela inflação (IPCA) acumulada no período. Com este mapa, conseguimos identificar onde estão localizados os “bolsões de pobreza” no município. Desse modo, encontramos muitos bairros onde a renda domiciliar per capita é menor que R$ 500. 

Essas famílias que vivem em situação de vulnerabilidade estão sobretudo em bairros da Zona Norte (Vila Carvalho, Simioni, Quintino, VIla Mariana), Oeste (Jardim Paiva, Monte Alegre) e Sudoeste (Parque Ribeirão, Jardim Piratininga) do município.

Mercado informal

Todos os dados que serão apresentados foram obtidos pela pesquisa amostral feita pelo IBGE em 2010, os valores monetários foram corrigidos pela inflação acumulada (IPCA) até o final de 2019.

O gráfico a seguir apresenta a distribuição da população de Ribeirão Preto nos tipos de trabalho. Podemos observar que a maioria da população ocupada encontra-se no mercado formal, seguido pelo que o IBGE chama por “Conta Própria”, ou seja, os trabalhadores autônomos. Visto isso, qual será o tipo de trabalho que, na média, menos remunera?

A partir do segundo gráfico podemos observar que, na média, os trabalhos com menores remunerações encontram-se na informalidade (ou seja, sem carteira assinada). Dessa forma, a título de comparação, vamos analisar a distribuição de renda entre os trabalhadores sem carteira assinada e os trabalhadores registrados.

É importante observar que, mesmo o trabalho com carteira assinada encontrando-se em penúltimo lugar na lista de remuneração, há uma grande diferença quando comparado com o mercado informal. Portanto, além de arcarem com o custo de não possuir auxílio desemprego, caso seja demitido, o trabalhador sem carteira assinada também possui a menor remuneração em todas as parcelas da população.

A partir do gráfico abaixo percebe-se que 50% dos trabalhadores com carteira assinada são remunerados em até R$ 1665. Já para os mesmos 50% de trabalhadores sem carteira assinada, a remuneração chega a no máximo R$ 999, o que mostra que para essa faixa da população a remuneração não chega a um salário mínimo em 2020.

Entretanto, dentre esses trabalhadores informais, quais são suas composições familiares? E qual é o tipo de trabalho mais vulnerável?

O Mercado Informal é composto majoritariamente por famílias compostas por um casal com filhos, contudo, o mesmo ocorre no mercado com carteira assinada, visto que essa composição familiar é a mais comum no município.

Ao observar a remuneração média em cada composição familiar, observamos que mulheres sem cônjuge com filhos e com parentes representam a composição familiar que recebe menor remuneração entre todas as faixas das população.

Portanto, o que podemos concluir é que há grupos ainda mais vulneráveis dentre os trabalhadores sem carteira assinada. Por exemplo, as mães chefes de família inseridas no mesmo mercado têm que lidar com uma vulnerabilidade ainda maior. 

Dessa forma, na tentativa de diminuir a vulnerabilidade para as mães chefes de família, a renda emergencial em tempos de quarentena, para esse tipo de composição familiar, pode atingir até R$ 1200 mensais, ou seja, essas mulheres podem receber uma cota dupla, mesmo que haja outra pessoa na família elegível ao auxílio. Para o restante dos trabalhadores informais o benefício é de R$ 600,00.

Para traçar um cenário de quanto seria a perda total da renda para os trabalhadores sem carteira assinada, partiremos do pressuposto de que todas as pessoas desse mercado de trabalho não podem mais exercer a sua atividade devido a quarentena e receberão auxílio emergencial. No caso das mães chefes de família, todas iriam receber o auxílio emergencial no valor de R$ 1.200,00.

Mercado InformalNúmero de pessoasPerda total de renda mensal  (R$)
Mães Chefes de Família6708870.367
Restante do Mercado Informal2792631.357.443
Total3463432.227.810

Para repor todos os salários perdidos com a crise no cenário mais pessimista, precisaríamos de um programa de auxílio da ordem de R$ 32 milhões mensais apenas para Ribeirão Preto.

Por fim, partindo da regra do auxílio emergencial (pertencer à família cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo – R$ 522,50) e que todas as mães chefes de família inseridas no mercado informal receberão R$ 1200, Ribeirão Preto precisaria de R$ 7.887.529 mensais para cobrir a renda de todas as pessoas enquadradas. É possível notar, entretanto, que o benefício para algumas dessas mães além de suprir as perdas, representa um acréscimo em suas rendas.

Mercado InformalNúmero de pessoasTotal do Auxílio Emergencial (R$)
Mães Chefes de Família19392.327.100
Restante do Mercado Informal92675.560.429
Total112067.887.529

Conclusão

Como vimos, assim como outras grandes cidades do país, Ribeirão Preto terá seus desafios. Apesar de os trabalhadores formais terem boa parte de suas rendas cobertas pelo seguro desemprego, a perda de renda é expressiva nos setores mais atingidos pela crise. 

Entretanto, é justificada, como mostramos, uma maior preocupação com os trabalhadores informais e sem carteira assinada, pois além de possuírem salários, em média, menores que seus pares no mercado formal, esses trabalhadores podem vir a perder totalmente os seus rendimentos. Portanto, é muito bem-vindo o auxílio emergencial para essas pessoas.

Por outro lado, quando temos famílias mais numerosas que já viviam em condições de pobreza, mesmo com essas ajudas, pode não ser o suficiente. Além disso, é sabido que o Brasil possui muitas pessoas que nunca possuíram uma conta bancária, ou que ainda não possuem um celular/computador com internet para realizar seu cadastro nos sistemas disponibilizados pelo governo, o que pode trazer dificuldade de acesso ao auxílio para uma faixa da população elegível.

De fato, trata-se de um período desafiador, que traz incertezas acerca de seu real impacto na sociedade. E como na maioria dos momentos desafiadores, a população mais vulnerável precisa de atenção especial para ter suas necessidades básicas atendidas. 

A reflexão que queremos deixar com esse breve texto é: O que podemos fazer por essas pessoas em nossas cidades, bairros e vizinhanças? Dificilmente conseguiremos ajudar a todos, mas, por menor que seja, a ajuda que podemos oferecer pode significar a diferença na vida de pessoas não tão distantes de nós. 

Talvez a maior lição que esse período nos trará é: Podemos ser pessoas melhores? Podemos viver de maneira mais justa e equilibrada? Nós acreditamos que sim.

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1- Para maiores informações, checar “Estratégias de coordenação governamental na crise da Covid-19” de F. Schmidt, J. Mello e P. Cavalcante.
2- Os dados apresentados foram obtidos no link: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 14 de abr. de 2020.
3- Para maior detalhamento, ver “Impactos Econômicos da COVID-19 no Brasil” de A. Porsee, K. Souza, T. Carvalho e V. Vale.